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Mostrando postagens de maio, 2025

Retrospectiva de um ano qualquer

  Retrospectiva Em Janeiro, Rio e também posso chorar.  Chega fevereiro, de Februo, o Deus da Morte e em meio as cinzas de suas quartas, que se transformam em Algodões, renasço, na linda praia da penísula de Maraú. Me retiro em Yoga, e re-tiro todos os tiros que me alvejaram. Da Dor, Amor e os dois rimam.  Em Março, Jericoaquara e Fortaleza me torno. Na aldeia cearence, força e beleza, Fortaleza, a Pedra que por Furada, em areia de duna, mais bela se torna do que quando sólida.  Maio,Morro em Ti, ainda morro de saudade, em Morro de São Paulo. O conjunto de quatro praias albergado na ilha de Tinhoré: algo como uma exótica conjugação pretérita do verbo Ter. Tinho-ré. Ter, em um passado perfeito -tinha-, que se torna imperfeito pela condição de ser passado. Em marcha dianteira -RÉ -. O avesso de ter. Em Tinhoré, ao te perder, me reconstruo.

Mudança

  Intermináveis caixas, sim, intermináveis! Porque nos mudamos de um apartamento que parecia aqueles lares de idosos acumuladores. Incontáveis e foram embaladas com suor e sangue em uma tentativa de não fracassar em mais uma coisa depois de ter perdido feio no concurso público para o qual tinha parado a vida para estudar. E também porque tinha apanhado de uma forma brutal da vida que achava que se parasse, que se não me mantivesse em constante movimento, a tristeza poderia tomar conta de mim. Eu precisava estar em movimento até o meu corpo chegar no limite da exaustão, onde não me restasse tempo para sentir outra coisa que não fosse cansaço.   Mudanças são como ritos de passagem. Trazem uma carga simbólica de que as coisas podem ser diferentes.  Ela me fez pensar sobre a importância do desapego, muito além do significado da moda a que se atribui a palavra, de consumismo sustentável, mas num sentido de permitir a circulação de energia entre as pessoas, de estabelecer uma r...

O que aprendi com Jonathan Haidt

O que aprendi com Jonathan Haidt   por Daniel Carvalho   Descobri Jonathan Haidt por acaso, lendo a lista de livros do Clube do Livro com Gabriela Prioli e Leandro Karnal. Depois de entrar em contato com sua obra, nunca mais pensei da mesma forma sobre política ou moralidade.   Haidt é psicólogo social, e seu trabalho desmonta o senso comum de que nossas posições políticas são fruto da razão, do debate, da argumentação lógica. Segundo ele, a moralidade está muito menos nas ideias e muito mais nas entranhas — ela nasce das emoções, das intuições. A razão? Vem depois, apenas para justificar aquilo que já sentimos.   A mente humana, diz Haidt, é como um elefante (a intuição) guiado por um cavaleiro (a razão). Achamos que o cavaleiro conduz — mas quase sempre é o elefante quem escolheu o caminho. O cavaleiro apenas inventa boas explicações para não parecer que está sendo arrastado.   Em A Mente Moralista (The Righteous Mind), Haidt aborda essa metáfora e nos mostra ...

A arte de parecer ser feliz

  A Dor de Ser Sentido   por Daniel Carvalho   Frida fingia ser o que não era — fingia estar feliz. Insistiu tanto nesse papel que acabou se tornando alguém extremamente resiliente. E, para os que a rodeavam, alguém feliz. Mas havia rachaduras. Olho no espelho e não encontro máscara. Ou talvez sim — uma que se formou pela pele envelhecida do meu rosto A dor não escondeu. Ela se assentou ali. Os sulcos em volta da boca me deixam com uma expressão triste. E é isso que sou, mesmo tentando não parecer.   Não fui bem-sucedido na arte de parecer estar bem. Olho para a vida com pouca esperança. Custa sonhar. Custa acreditar que algo diferente ainda possa me acontecer. É cedo, eu sei. Mas é assim que me sinto. Sou como um fruto guardado em redoma de vidro que passou do tempo — começa a apodrecer. Não há mais ar, nem espaço para respirar.   E o que me angustia é que não tenho conseguido abrir mão do que me traz pequenas alegrias momentâneas, mesmo sabendo que essas migal...

Ana Suy - expectativas

Trecho do livro: A gente mira no amor e acerta na solidão” “É interessante destacar que a palavra esperança é uma tradução possível de elpis, do grego, que também pode ser traduzida como “expectativa”, uma palavra que tem sido amaldiçoada atualmente. As sugestões de felicidade contemporânea nos insinuam que não devemos criar expectativas, uma vez que seriam elas as responsáveis pelas nossas frustrações. Nesse sentido, o ideal seria que vivêssemos sem imaginar, sem criar fanfics, sem esperança – e o que viesse da vida, então, poderia ser mais bem aproveitado, uma vez que a realidade não seria decepcionante. Daí vale depreender dois pontos: 1. Com raras exceções que devem ser comemoradas, a realidade é decepcionante! Uma vez que o vazio do desejo nos leva a uma fértil criação, a realidade, limitada, não pode dar conta de nos satisfazer tanto assim. Por isso, nossas experiências com a vida deixam sempre um resto que não se satisfaz, um tom a menos de satisfação do que gostaríamos. A pegad...

Nikolas Ferreira: O Teatro do Absurdo e a Máquina do Engajamento

Nikolas Ferreira O Teatro do Absurdo e a Máquina do Engajamento   por Daniel Carvalho   Há um livro chamado A Máquina do Caos, de Max Fisher, que ajuda a entender por que opiniões absurdas, distorções grotescas e fake news encontram tanto espaço — e tanta audiência — no debate político atual.   A lógica é cruelmente simples: quanto mais absurda a afirmação, maior o seu alcance. Dizer que “a Terra é plana”, que “vacinas matam” ou que o “Lula quer taxar o Pix para punir os pobres” gera uma reação emocional imediata — indignação de um lado, fervor do outro. Isso, por sua vez, alimenta o algoritmo. Comentários, compartilhamentos, curtidas. Mais engajamento. Mais visibilidade. Mais distorção.   Um exemplo gritante disso foi o vídeo viralizado do deputado Nikolas Ferreira, que insinuava que o governo pretendia tributar as transações feitas via Pix. Ele fala em quebra de sigilo bancário, manipula o senso comum e cria a falsa ideia de que o objetivo é penalizar os mais pobre...

Não, isso não é liberdade de expressão. É licença para oprimir.

Não, isso não é liberdade de expressão. É licença para oprimir.   As mesmas pessoas que defendem o discurso de ódio de Trump contra minorias como se fosse liberdade de expressão são, curiosamente, as primeiras a censurar qualquer manifestação artística que desafie seus dogmas. Madonna, por exemplo, não pode expressar sua arte como bem entende — é “ofensiva”, “blasfema”, “fere os valores cristãos”. Valores esses que, aliás, não são nem nunca foram universais, por mais que os repitam como um dogma colonizador. Mas um presidente doente, com traços evidentes de psicopatia, pode dizer livremente que “preferia um filho morto a um filho gay”. Pode dizer que vai “bater em casal gay que se beija na rua”. Pode associar imigrantes a criminosos. Pode normalizar o ódio e ainda ser ovacionado em nome da “liberdade”.   Há uma dissonância ensurdecedora no uso seletivo dessa tal liberdade de expressão. Ela é usada como escudo por quem, na verdade, não quer liberdade — quer o monopólio da palav...

Caixa Preta

2022: Caixa Preta Foi a primeira a se levantar da poltrona do avião, quando este pousou em Paris. Os olhos pareciam estar perdidos por detrás dos óculos vermelhos, que fitavam atentos os contornos da janela. Pegou suas bagagens de mão, saiu da aeronave, guardou sua máscara fluorescente e passou pela imigração. Um oficial francês que parecia um homem cansado e sem sonhos a deixou passar sem muitas perguntas. Parou em um Starbucks para tomar café: preto e bem doce, como gostava. Afundou-se no tecido do sofá, como se este a engolisse. Decidiu de súbito se levantar e ao sair do aeroporto olhou para o céu: - Que belo dia - sussurrou Luísa, as palavras não continham qualquer verdade. Tinha alugado um carro elétrico e seguiu decidida até a Pont Neuf, só parando para abastecê-lo em um eletroposto. Quando se dirigiu ao cacha para pagar, foi atendida por um jovem homem de tez escura como o ébano, que parecia ser algeriano ou vindo de alguma outra ex-colônia francesa e usava uma farda de um tom d...

Silêncios eloquentes

Silêncios eloquentes  Os silêncios são essenciais na comunicação. O silêncio que vem logo após a palavra dá a ela mais potência. Palavras, quando arremessadas em série contra o interlocutor, perdem o peso do que realmente comunicam. O silêncio, ao contrário, convida à escuta, à reflexão — pede atenção ao que foi dito. Ele é como pontuação na fala. Um sopro. Uma pausa necessária.   O silêncio tem mais poder do que palavras soltas tentando preencher um vazio — seja o vazio de quem fala, seja o desconforto de dividir um espaço com alguém com quem não se tem intimidade.   Eu, no entanto, costumo ignorar isso solenemente. Falo de forma verborrágica, pulo de um assunto para outro como quem segue o fluxo de consciência de uma histérica freudiana sob o efeito de cocaína. É como se eu matasse o interesse do outro à queima-roupa.   Percebo que minha forma de falar provoca desconforto. A ausência de pausas tira a fluidez, o encanto da conversa. Preciso encontrar estratégias par...