Nikolas Ferreira: O Teatro do Absurdo e a Máquina do Engajamento

Nikolas Ferreira


O Teatro do Absurdo e a Máquina do Engajamento

 

por Daniel Carvalho

 

Há um livro chamado A Máquina do Caos, de Max Fisher, que ajuda a entender por que opiniões absurdas, distorções grotescas e fake news encontram tanto espaço — e tanta audiência — no debate político atual.

 

A lógica é cruelmente simples: quanto mais absurda a afirmação, maior o seu alcance. Dizer que “a Terra é plana”, que “vacinas matam” ou que o “Lula quer taxar o Pix para punir os pobres” gera uma reação emocional imediata — indignação de um lado, fervor do outro.

Isso, por sua vez, alimenta o algoritmo. Comentários, compartilhamentos, curtidas. Mais engajamento. Mais visibilidade. Mais distorção.

 

Um exemplo gritante disso foi o vídeo viralizado do deputado Nikolas Ferreira, que insinuava que o governo pretendia tributar as transações feitas via Pix. Ele fala em quebra de sigilo bancário, manipula o senso comum e cria a falsa ideia de que o objetivo é penalizar os mais pobres — quando na verdade, o debate em questão gira em torno da necessidade de fiscalizar operações criminosas e garantir que haja tributação sobre transações que movimentam bilhões fora do radar do Estado.

 

A retórica de Nikolas não só ignora o real propósito da proposta, como a distorce até transformá-la num espantalho — algo que jamais existiu, mas que serve como inimigo perfeito para inflamar seu público.

 

É curioso e trágico que o mesmo grupo que critica qualquer tentativa de taxação de grandes fortunas ou de revisão dos lucros abusivos do mercado financeiro se apresente como defensor dos pobres quando convém.

A proposta do governo de aumentar a faixa de isenção do imposto de renda para R$5.000, por exemplo, foi atacada justamente por aqueles que hoje dizem se preocupar com o “povo”.

 

Mas a engrenagem que sustenta esse teatro do absurdo não é apenas retórica. Há também uma arquitetura invisível — as Big Techs, que desenham os algoritmos, modulam o alcance das publicações e lucram com o caos.

 

A decisão recente da Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) de deixar de checar a veracidade das informações publicadas em suas plataformas é mais do que preocupante — é um pacto silencioso com a desinformação.

O apoio explícito de Elon Musk a políticos de extrema direita, incluindo Donald Trump, também evidencia que há uma aliança entre capital tecnológico e poder político reacionário.

 

O vídeo de Nikolas ultrapassou 275 milhões de visualizações — número maior que a população brasileira. Isso não é apenas viralidade. É interferência programada. É manipulação algorítmica a serviço de um projeto político.

 

Vivemos um tempo em que o teatro político se encena nas telas. E muitos assistem a ele como se fosse verdade.

A parcela da população que não lê jornais, não acessa portais de notícias, não ouve rádio ou não assina revistas se informa — ou melhor, é desinformada — pelas redes sociais.

E o perigo disso é óbvio: quem controla o fluxo da informação, controla a narrativa. Quem manipula o algoritmo, manipula a democracia.

 

Estamos diante de um novo tipo de censura: não a que cala, mas a que amplifica — amplifica o grotesco, o violento, o inverossímil — e silencia, por invisibilidade, tudo o que exige reflexão, contexto e complexidade.

 

É preciso reagir.

Não com histeria, mas com informação.

Não com ódio, mas com lucidez.

E, sobretudo, não nos calando diante do absurdo travestido de liberdade de expressão.



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