A arte de parecer ser feliz

 



A Dor de Ser Sentido

 

por Daniel Carvalho

 

Frida fingia ser o que não era — fingia estar feliz.

Insistiu tanto nesse papel que acabou se tornando alguém extremamente resiliente. E, para os que a rodeavam, alguém feliz.

Mas havia rachaduras. Olho no espelho e não encontro máscara. Ou talvez sim — uma que se formou pela pele envelhecida do meu rosto A dor não escondeu. Ela se assentou ali. Os sulcos em volta da boca me deixam com uma expressão triste. E é isso que sou, mesmo tentando não parecer.

 

Não fui bem-sucedido na arte de parecer estar bem. Olho para a vida com pouca esperança. Custa sonhar. Custa acreditar que algo diferente ainda possa me acontecer. É cedo, eu sei. Mas é assim que me sinto. Sou como um fruto guardado em redoma de vidro que passou do tempo — começa a apodrecer. Não há mais ar, nem espaço para respirar.

 

E o que me angustia é que não tenho conseguido abrir mão do que me traz pequenas alegrias momentâneas, mesmo sabendo que essas migalhas me afastam da possibilidade de construir algo maior. Não acredito mais que sou capaz. Só quero sentir algo que não seja dor. A dor do exílio. A dor da rejeição. A dor de ter vivido tanto tempo nessa frequência, que já nem sei mais quando comecei a buscá-la.

Talvez eu deseje, inconscientemente, ser rejeitado — para confirmar que sempre estive certo. Por que passei tanto tempo sem tomar banho, até me tornar alguém repugnante? Talvez tenha sido um mecanismo: ser invisível era menos doloroso do que ser novamente violado.

Mas não foi escolha. Foi instinto. Mesmo agora, reconhecendo isso, percebo que ainda busco essa frequência. Como se quisesse provar algo para o mundo. Para mim.

 

Falo demais. Falo rápido. Verborrágico. Como se implorasse para não ser ouvido — e depois reclamasse por não ter sido.Eu não fui só rejeitado. Fui amado também. Mas não me achava merecedor. Ou talvez tenha me viciado na dor — e confundido amor com punição.

 

O isolamento me consome. A desconexão. A ausência de pertencimento. E então eu fujo. Saio de mim.

 

Deixo o corpo. Só a carne, os ossos, a pele permanecem. A consciência vai embora. Como um avestruz que esconde a cabeça, acho que, se não vejo, não serei visto. Perco o controle do corpo. E o corpo, sem alma dentro, vira uma presença estranha, desengonçada.

 

Mas sei: é preciso estar presente. É preciso suportar o desconforto. Senti-lo. Respirar com ele. Ele não é o fim. É só um sinal. Um pedido. Um apelo para que eu volte. E cuide.

 

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