Psiquiatra e loucura
O que chamamos de cuidado pode ser só controle disfarçado
Foucault, loucura e o mito da neutralidade institucional
Michel Foucault nos ensinou a desconfiar.
Não apenas de governos, mas de tudo aquilo que se apresenta como “natural”, “objetivo” ou “neutro”.
Para ele, não existe saber sem poder.
E onde há poder, há hierarquia, exclusão, controle.
Mesmo instituições vistas como nobres — ensino, medicina, direito, psiquiatria, economia, ciência — estão atravessadas por interesses, normas sociais e discursos que moldam o que é considerado certo, sadio, normal.
“A justiça é sempre exercida dentro de um sistema de poder.”
— Michel Foucault
A medicina, por exemplo, que hoje se veste de jaleco e autoridade, já diagnosticou homossexualidade como doença, mulheres como histéricas por sentirem demais, corpos negros como biologicamente inferiores.
Já considerou a leitura de romances algo perigoso para o equilíbrio emocional feminino.
Já aplicou eletrochoques como rotina.
Tudo isso em nome do “cuidado”.
Mas cuidado para quem?
E às custas de quê?
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Em A História da Loucura, Foucault traça a genealogia da exclusão dos “desviantes” da norma.
Antigamente, o louco era visto como errante, visionário, às vezes até sagrado.
Mas à medida que a sociedade moderna passou a valorizar a razão, o trabalho e a utilidade, a loucura foi sendo empurrada para os hospitais psiquiátricos — verdadeiros depósitos de subjetividades inaceitáveis.
O que antes era o leprosário virou o manicômio.
A lepra virou a mente que não produz.
O louco, alguém a ser contido.
Será que existe, de fato, loucura?
Ou será que o que chamamos assim é só o nome que damos à dor que não cabe na engrenagem?
Talvez o louco seja alguém que, diante de uma realidade insuportável, precisou sair da realidade para sobreviver.
E ao invés de escuta, recebeu uma sentença.
Ao invés de compreensão, recebeu um rótulo.
Ao invés de acolhimento, uma dose de silenciamento químico.
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A psiquiatria ainda opera, muitas vezes, pela lógica da normalização produtiva.
Interna-se o que não se encaixa.
Medica-se o que não rende.
Calam-se os corpos em sofrimento para que não exponham a falência da ordem.
Práticas como meditação, reiki, homeopatia, yoga, espiritualidade, são vistas com desconfiança — não porque não aliviem, mas porque não cabem nos manuais.
Porque não lucram da mesma forma.
E os remédios, muitas vezes, vêm antes da escuta.
A lógica é clara: corrigir o indivíduo, não questionar o sistema.
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