As horas. A dor e o tempo

 



Hoje foi o segundo dia em que subi na esteira depois muito tempo sem caminhar. No primeiro dia, passei praticamente os trinta minutos no celular. Sem fones, sem música, sem distrações sonoras, e talvez por isso mesmo, mergulhado no medo dos ecos da própria mente. Era como se eu estivesse correndo de mim mesmo.


Hoje, novamente comecei a andar com o celular na mão, como quem segura um escudo. Mas em algum momento, decidi guardá-lo no bolso. Lembrei dos tempos em que, no ashram, eu me sentava forçadamente para meditar: quinze minutos, duas vezes por dia. No início, o silêncio era insuportável, como uma sala cheia de espelhos onde a imagem que se devolvia era crua demais. Mas, com o tempo, o que assustava começou a oferecer caminhos. Encarar os próprios pensamentos nos torna íntimos deles, e o que antes parecia um labirinto vai se revelando um mapa.


Hoje eu tinha um motivo real para fugir: a dor do afastamento repentino de um amigo querido, que me pediu um tempo. A ausência dele pulsava forte. E achei que o melhor seria encarar esse silêncio.


O tempo, porém, parecia não andar. Cheguei perto de desistir até perceber que só faltavam cinco minutos. E então, de súbito, algo virou. A dor cedeu espaço à resistência. O desconforto passou. E ali entendi que o tempo pode ser o mesmo, mas o modo como o sentimos depende da nossa mente.


Entre o desconforto e o alívio mora a consciência. Entre fugir e ficar mora o primeiro passo para a cura.


Se quero lidar com essa dor, vou precisar atravessá-la. Não adianta anestesiar com telas, com notificações, com distrações. Vou precisar me sentar ao lado dela, escutá-la, respirar com ela.


E lembrar que, como todo desconforto, isso também vai passar.

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