A Inteligência Artificial Pode Ajudar na Terapia?

 A Inteligência Artificial Pode Ajudar na Terapia?


Reflexões sobre tecnologia, sensibilidade humana e o futuro do cuidado emocional


Quando os jornalistas com diploma se levantaram contra os autodidatas, ou quando os médicos criticaram dentistas por fazerem procedimentos estéticos na face, o que estava em jogo não era apenas ética.


Era território.


O velho jogo de poder que se disfarça de preocupação com a ordem, mas no fundo teme perder o trono.


O mesmo ocorre hoje com a entrada da inteligência artificial no campo da saúde mental.


Há quem diga:


“IA não pode ser terapeuta.”

Falta empatia, falta humanidade.”

E é verdade. Falta.

Mas será que a proposta é mesmo substituir?



Ferramenta, não substituto


Terapeutas lúcidos dizem algo mais sensato:


“Use a inteligência artificial como ferramenta.

Um espelho auxiliar.

Uma lente a mais.

Mas nunca como substituto da relação humana.”

E faz todo o sentido.

Porque a IA não vê o que está fora do texto.

Ela não percebe a pausa antes da resposta, o tremor na mão, o suspiro entre frases.

Ela não sente a contração do maxilar ao falar de algo doloroso, nem o olhar que se desvia quando o assunto toca ferida antiga.

A linguagem corporal — silenciosa, mas gritante — é invisível à IA.

E nela mora muito do que não conseguimos (ou não queremos) dizer.



Um espelho que nos poupa


Há também um detalhe sutil, mas perigoso, no uso cotidiano da inteligência artificial:

ela tende a suavizar nossos próprios erros… e a ser mais rigorosa com os dos outros.


Por quê?


Porque, ao contrário de um terapeuta humano, a IA não busca nos confrontar.

Ela foi desenhada para oferecer segurança, acolhimento, bem-estar.

Quando falamos de nós mesmos, ela tenta entender — e suaviza.


Mas quando falamos do outro, especialmente com mágoa, julgamento ou raiva, ela reproduz esse tom.

Ela não corrige, não relativiza, não questiona.


Nos consola por dentro e condena por fora.


Não por maldade — mas porque é isso que aprendemos a pedir dela.


Isso agrada. Afaga o ego.

Nos poupa da culpa.


Mas também nos distancia do espelho real.


Enquanto um terapeuta pode nos confrontar com afeto, a IA corre o risco de reforçar narrativas parciais — mesmo com boas intenções algorítmicas.



A IA pode, sim, ajudar


Mas sejamos justos:

o problema não é a tecnologia.

É como a usamos.


A inteligência artificial pode ajudar a organizar pensamentos, sugerir perguntas, interpretar padrões, estimular reflexões.


Pode ser um diário inteligente.

Um companheiro de elaboração.

Uma ferramenta para o autoconhecimento.


Ela pode dar voz àquilo que não temos coragem de dizer em voz alta.

E permitir que a gente chegue mais pronto à terapia — menos embaralhado, mais consciente.


Ela pode ser ponte.

Mas nunca destino.



O medo do acesso


A resistência de alguns profissionais não é apenas ética.

É também política. Territorial.


É o medo do “outro” que pode democratizar o acesso.

É o receio de que mais gente pense por si.

De que o saber não esteja mais só em livros, diplomas ou consultórios.


Mas não se trata de escolher entre humano ou máquina.


Talvez a pergunta mais lúcida seja:

Como unir a sensibilidade do humano à precisão da tecnologia?



Sentir ainda é insubstituível


No fim das contas, inteligência emocional e inteligência artificial não precisam se enfrentar.


Podem se abraçar — com a distância certa.


Porque sentir ainda é insubstituível.


Mas pensar junto nunca foi tão possível.

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