Roda Gigante
Roda Gigante
por Daniel Carvalho
Estar apaixonado é quase sempre foda.
Sou intenso demais. Sinto tudo em excesso. Drama demais. Cancerianos. Me lanço como um personagem de cartoon que se atira no abismo. E é difícil ser de outro jeito. Desejar pouco. Amar com moderação. Não sei ser assim.
Garotos faziam fila no banheiro para encher os narizes de pó. Música alta. Leques que se abriam. Risos altos e debochados. Copos, corpos e canudos ao alcance dos que giravam na roda. Era como uma roda gigante onde só alguns eram escolhidos para girar.
Uma linha invisível separava os eleitos — os que tinham corpos esculpidos, anabolizados, os que tinham drogas, dinheiro ou status — dos que apenas assistiam a roda-gigante girar. Eu estava num lugar intermediário. Sem definição. Sem lugar.
Foi quando fomos para o after na boate ao lado. Ele chegou com seu sorriso cortando o rosto como se não houvesse amanhã. Com sua marra suave, meio debochada. Tinha magnetismo. Dava pra sentir os fios de eletricidade que saíam dele e puxavam os olhares como ímãs. Eu era quase invisível. Um acessório que ele carregava com certo desconforto.
O busquei em todos os garotos que olhei.
Mas era ele. Só ele. Congelado pela minha timidez, cheio de delicadezas inúteis, tentava disfarçar. Na constelação daquela noite, ele era o sol. E eu um satélite desajeitado, girando ao seu redor. Qualquer outro olhar era ruído.
Aproximei-me como um cachorro se aproxima do dono. Pedi com os olhos permissão para tocá-lo. Nossos corpos tão próximos que eu podia sentir o hálito da sua pele. Toquei suas costas. Dancei com ele. Massageei-o. Fechei os olhos. Era como se tudo o que eu precisasse estivesse ali, ao alcance das minhas mãos. Sua pele era áspera, musculosa.Ele estava ali. Inteiro. E por alguns segundos, eu fui imortal. Infinito. Infinitamente dele.
Dançamos. Sua presença me aquecia. Era como estar perto do sol. Mas não estávamos sós. O caos dentro de mim dançava junto. A insegurança cobria meu rosto como uma máscara subcutânea. E os olhares dos outros garotos o cutucavam.
Notavam q gente juntos. Ele notou. E foi se afastando. E de repente começei a me sentir uma mariposa que gira ao redor da luz mas morre quando se aproxima demais
Evitei encará-lo por muito tempo, para não trair minha mascar de menino obediente. Mas no fundo, eu já sabia. Era velho demais, estranho demais. Sabia que aqueles momentos se perderiam como lágrimas se perdem dentro de uma piscina.
Poucos dias depois, ele foi embora. Mais uma vez. Já fui abandonado tantas vezes que me tornei mestre em despedidas. Mesmo que nos víssemos de novo, eu sabia que isso demoraria mais do que eu poderia suportar.
Tive medo que ele sumisse. Mas também tive medo do que ele poderia fazer comigo. Me sentia um fantoche frágil em suas mãos de menino irresponsável. Ele me mascava e cuspia como chiclete. Sabia que precisava deixá-lo. Não aguentava mais me esfolar no chão do abismo que ele erguia entre nós.
Saber que ele partiria não me fez deixar de amá-lo. Mas somos também nossas cicatrizes. E meus olhos estavam cansados de perseguir moinhos.
Seus “nãos” me espancavam o coração.
Com ele, repeti padrões. Tentei criar uma bolha que nos protegesse do mundo — e ela virou uma redoma de vidro guardando carne podre no lugar de flor. Ele nunca me abriu espaço real. Minhas palavras difíceis, ditas rápido demais e com o ar preso, viravam veneno que ele não queria ouvir. Ele não se interessava pelo meu mundo. Não era de todo burro. Tinha alguns tipos de inteligência desenvolvidos. Mas era fechados como uma porta para algumas coisas. Foi educado por pais que não sabem nem escrever português e só pensam em dinheiro.
Eu o amei. Cada segundo. Quis salvá-lo dele mesmo. Mas eu mal sabia cuidar de mim.
Não, ele não me enganou. Quem me enganou foi o meu sonho. Agora estou surtando outra vez. Pensamentos intrusivos. Medo. Preciso recuperar minha sanidade.
Não posso esperar nada de ninguém.As pessoas são como são. Estou cansado de ser atacado por ser inocente.
Não vou mais permitir que me façam esquecer quem sou em essência. Mas meu maior inimigo sou eu.
Os pensamentos que tenho sobre mim mesmo. Preciso voltar a acreditar que sou capaz de ser tudo o que sonhei. Sozinho.
Estou, mais uma vez, tentando combater o mal com ações erradas. E esse é o único jeito de me perder.
Daniel, na cova dos leões, manteve-se fiel ao que acreditava. Eu também preciso. Não posso me tornar aquilo que mais abomino. As pessoas nos tratam como permitimos.
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