Meu coração vagabundo

Por Daniel Carvalho                                                           

Coração de Rua

Como um bicho de rua,  
aceito o que foi descartado,  
me junto àqueles que têm fome.  
Procuro um dono.  
Preciso da sensação de pertencimento.

Projeto qualidades em pessoas que nunca as cultivaram.  
Crio verdades frágeis — mas que fingem ser necessárias.  
Me apoio em terceiras pernas: me imobilizam, mas evitam a queda.  
Sigo, mesmo sem amor.

Talvez na próxima festa,  
no silêncio da próxima escuridão,  
depois da curva da noite,  
em algum lugar de onde nem sei mais o caminho de volta.

Sinto saudade do que é inútil.  
Do que não serve.  
Da falta que ganha corpo.  
Ainda amo com o corpo inteiro — e às vezes morro por isso.

Sou vulnerável ao amor.  
Ao toque que arrepia a pele.  
À fome do corpo.  
À vertigem do desejo.  
Ao coração que, sem pedir permissão,  
salta do peito como quem procura casa.

Sou capaz de reagir.  
De mudar.  
Mas sei que nunca escaparei de mim por completo — seja lá o que isso for.  
Desapareço em quem amo.

Sou poroso, atravessável.  
Quando amo, não imponho bordas:  
entrego tempo, pele, silêncio, presença.  
Sou matéria moldável,  
e é no outro que encontro forma.

Escrevo sobre a água o que não posso dizer.

Não me vá.  
Do que você tem medo?

Abra os olhos — enquanto ainda dá tempo.  
Antes que tudo vire futuro do pretérito.

Eu sou legal, moço.  
Eu sei ser abrigo.  
Volta amanhã — ou hoje mesmo.  
Só volta.

No primeiro susto, deixei cair a defesa.  
Levantei as mãos.  
Me entreguei sem cláusulas.

Vem.  
Tira minha roupa.  
Descobre meu corpo —  
mas fica um pouco mais…  
e descobre também o que eu escondo no fundo.

Meu coração?  
Está roxo de espera.  
Leva pancada todo dia.  
É menino perdido,  
com marcas nos olhos e cicatrizes na alma.

Fica comigo?  
Me abraça?  
Me ama?

Eu aguento muita coisa.  
Mas agora não tem espaço pra mais nenhuma ferida.  
Fica comigo.  
Fica até ter vontade de ir —  
e quando for, leva meu coração junto.

Ele não serve pra nada sem você.

Ele sabia.  
Ele sempre soube.  
E foi embora com você.  
Pulou nas tuas mãos.

Tá sentindo ele bater?

Te amo pra caralho.

 

o

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